Por: Sheynna Hakim Rossignol

A pandemia de COVID-19 vem causando uma série de situações até então jamais vivenciadas em todo mundo. O isolamento social adotado para conter a proliferação da doença impôs a necessidade de uma mudança de comportamento que abrangeu não apenas as relações sociais, familiares e de trabalho, mas, especialmente, a atitude de cada um de nós diante das incertezas.

A preocupação quanto a um eventual desabastecimento é uma das questões que mobiliza a população neste momento. Com receio de que determinados produtos se tornem escassos, as pessoas têm colaborado justamente para que isso aconteça ao realizar estoques. Como consequência imediata, temos a alta de preços e a falta de produtos no mercado.

Foi o que ocorreu com o botijão de gás. O Chama é um aplicativo de delivery de botijões de gás de cozinha que existe desde 2016 e no qual exerço a função de Presidente no Brasil. Atuando em oito capitais em um total de mais de 100 municípios pelo país, possuímos o número de 5 milhões de downloads. Deste total, 500 mil foram realizados em um único dia no final de março, quando a ferramenta passou a ter acessos recorde que ocasionaram o congestionamento de nossos servidores.

Conforme pudemos observar, a partir do dia 15 de março – quando muitas pessoas passaram a adotar o confinamento – houve uma mudança nítida no comportamento dos consumidores. Um exemplo: mais de 95% dos pedidos que chegaram ao Chama desde seu lançamento era de apenas uma unidade de botijão, mas isso mudou e passou para no mínimo dois logo que as pessoas começaram a ficar em casa. Para agravar a situação do desabastecimento, a Petrobras havia desacelerado sua produção, já que a crise do coronavírus causou forte queda do consumo da gasolina. Além disso, em São Paulo, uma manutenção realizada no duto de que liga Santos a Mauá também colaborou com a escassez.

Com tantas questões envolvidas dificultando a compra do produto, os preços passaram a subir. Mas ao contrário do que se imagina, isso não ocorreu porque a demanda motivou as revendas a quererem o máximo de lucro possível em um momento tão crítico, mas por que cada uma delas teve seus gastos aumentados para conseguir manter seus estabelecimentos abastecidos e ativos.

Mesmo assim, para proteger o consumidor que viu o preço do gás disparar, o Procon e o Sindicato das Empresas Representantes de Gás Liquefeito de Petróleo da Capital e dos Municípios da Grande São Paulo (Sergás) fecharam um acordo que limita o preço de venda do botijão de gás de cozinha de 13 kg a R$ 70. Este fato também colaborou para o agravamento da dificuldade na compra do produto, pois com isso as revendas deram férias a seus motoristas e passaram a disponibilizar o botijão apenas no local.

No ápice da crise de oferta, revendedores nos relataram que tiveram caminhões cercados por pessoas revoltadas com a falta dos botijões em um momento em que todos estão utilizando mais gás. Importante notar que uma das resoluções da Agência Nacional de Petróleo proíbe o transporte de gás por veículos não autorizados, no entanto, com o desespero proveniente da falta do produto, as pessoas estão colocando botijões dentro de porta-malas, se colocando em risco.

No momento, a situação para as revendas está um tanto mais próxima da normalidade, pois a Petrobras já reiniciou sua produção, o duto está em pleno funcionamento e os estabelecimentos voltaram a receber o produto. No entanto, como a crise originada pelo coronavírus ainda não tem previsão para acabar, não é possível prever se as pessoas mudarão sua conduta. Mesmo agora, com o início da recuperação da oferta, o Chama ainda tem registrado acessos três vezes acima do normal.

Precisamos nos adaptar a uma nova realidade devido à pandemia e, para isso, é preciso entender que talvez o mundo nunca mais volte a ser como era antes. Por mais assustador que esta constatação possa ser, não significa que seja negativa: as pessoas perceberam que podem se manter próximas mesmo através da tecnologia, os métodos de trabalho foram simplificados com o home office e, sobretudo, estamos caminhando para um consenso de que a solidariedade é vital para todos. Isso inclui, inclusive, a adoção de uma conduta individual de consumo consciente, sem estoque de produtos para evitar desabastecimento de produtos de primeira necessidade.

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