Advogado Paulo Roberto da Silva (Foto: Divulgação)
Advogado Paulo Roberto da Silva (Foto: Divulgação)

Quanto ao tema exonerações dos Delegados da Polícia Civil do Estado do Tocantins, destaca-se, de pronto, que, ao contrário do que pensam os menos esclarecidos, nenhum Delegado saiu do serviço público ou foi exonerado das funções eis que continuam membros do quadro de servidores do Tocantins.

Em verdade, o que houve foi a revogação da função gratificada (derivada de uma relação de confiança) de Delegado Regional, que os devolvem ao posto para o qual fizeram o concurso público, no caso DELEGADO DE POLÍCIA.

Lógico, então, que os Delegados não perderam nenhum direito como servidor público, eis que nunca fizeram concurso público para delegados regionais, mas apenas retornaram ao cargo para o qual foram nomeados, sendo garantida toda autonomia investigativa dos casos em andamento.

Esclarecimento feito, tomo a liberdade de trazer à baila algumas considerações sobre o tema tão discutido pelos meios de comunicações.

O MPE ingressou com uma Ação Civil Pública pretendendo anular as exonerações dos delegados de polícia de suas funções gratificadas (chefias), promovidas pelo Governador do Estado em 16 de novembro de 2018.

A demanda aportou na 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Palmas e o juiz deferiu medida liminar, mesmo sem manifestação prévia do Estado, para suspender os decretos exoneratórios impugnados pelo ente ministerial.

Necessário lecionar que a Administração Pública pratica dois tipos de atos administrativos: o vinculado e o discricionário.

Por ato administrativo vinculado, entende-se aquele que a Lei determina o que deve ser feito, não havendo opção para o gestor se não o fazê-lo da forma descrita. Dessa forma, quando o gestor desobedece o determinado em Lei, poderá o Judiciário intervir e corrigir a escolha ilegal anteriormente realizada.

Já o ato administrativo discricionário é aquele em que a Lei deixa mais de uma opção para o gestor escolher o que deve ser praticado. Aqui, tem-se o Poder Discricionário da Administração Pública, onde o Legislativo elenca uma lista de possibilidades que atendem o interesse público, mas é o Gestor que escolhe qual delas é a mais interessante ao Estado e à sociedade.

Quando se está diante de ato discricionário, fica o Poder Judiciário limitado a fazer apenas o exame de legalidade do ato, não podendo interferir diretamente na escolha realizada pelo gestor. Ou seja, o Poder Judiciário apenas irá verificar se a escolha realizada estava entre aquelas arroladas pelo Poder Legislativo. Não estando, certamente o ato há de ser anulado. No entanto, se escolha estiver na lista das possibilidades ditadas pela Lei, inviável é a sua retificação pelo órgão jurisdicional.

Isso se dá por força da independência entre os poderes do Estado e pelo fato de cada um deles possuírem certa margem de discricionariedade em suas atividades típicas, a qual sempre é limitada pela atividade de outro poder, de forma a evitar uma tirania.

O Estatuto da Polícia Civil do Estado do Tocantins (Lei Estadual nº 1.654, de 6 de janeiro de 2006) concede expressos poderes ao Governador do Estado para dispor sobre os cargos de livre nomeação e exoneração. Em seu art. 14, o Estatuto dispõe que a nomeação pode se dar em caráter efetivo (inciso I) ou “em comissão, para cargos de livre nomeação e exoneração por parte do Chefe do Poder Executivo” (inciso II).

Já o art. 36 do mesmo Estatuto da Polícia Civil do Tocantins estatui, em seu § 1º, que a exoneração pode ocorrer a pedido do policial civil (inciso I) ou ex-ofício, “a critério do Governador do Estado, tratando-se de cargo de provimento em comissão” (inciso II, “a”).

Pelo que se observa, a legislação estadual parece usar indistintamente a expressão “cargos em comissão”, que também abrange a hipótese das “funções de confiança”.

Já a Lei nº 1.545, de 30 de dezembro de 2004, que trata do Plano de Cargos, Carreiras e Subsídios dos Policiais Civis, contém diversas previsões sobre a legítima existência de cargos de livre exoneração e nomeação na estrutura da Polícia Civil. Cito como exemplo o § 3º do inciso II do art. 7º da referida lei estadual.

Isso implica dizer que a legislação estadual tocantinense expressamente assegura ao Governador a faculdade de livremente dispor de diversos cargos na estrutura da Polícia Civil, nomeando ou exonerando seus integrantes segundo critérios políticos legítimos de oportunidade e conveniência, sendo desnecessária qualquer fundamentação.

O Julgador de primeiro grau debruçou-se sobre os fundamentos divulgados para o governo acerca das exonerações concluindo que “A justificativa apresentada pelo Secretário-Chefe da Casa Civil do Estado do Tocantins, Sr. Rolf Costa Vidal, de que ‘tais exonerações se deram em razão da reformulação administrativa objetivando o equilíbrio das contas públicas e o atendimento ao limite de despesas com pessoal’ não encontram qualquer respaldo.”

Ora, não é dado ao Poder Judiciário exigir fundamentação específica para atos relacionados ao provimento de cargos em comissão ou de funções de confiança. Trata-se de cargos de provimento em comissão ou funções de confiança, nos termos do que prevê o art. 37, II e V, da CF, o que dispensa exaustiva fundamentação do ato administrativo.

O Superior Tribunal de Justiça, afirmou que “Nos atos discricionários, desde que a lei confira à Administração Pública a escolha e valoração dos motivos e objeto, não cabe ao Judiciário rever os critérios adotados pelo administrador em procedimentos que lhe são privativos, cabendo-lhe apenas dizer se aquele agiu com observância da lei, dentro da sua competência.” (AgRg no RMS 32.262/MG. Primeira Turma. Rel. Ministro Hamilton Carvalhido. Julgamento: 28.9.2010, DJe 22.11.2010).”

O Poder Executivo, só pratica os atos que o Legislativo autoriza, seja dando uma ou mais opções de atuação. Há, então, um prévio controle da discricionariedade dos atos do Poder Executivo pelo Poder Legislativo, sendo que a desobediência ensejará a sua anulação pelo Poder Judiciário.

Analisando a pretensão exposta pelo MPE observa-se que a mesma se mostra, ao meu sentir, ofensiva por conta de ofensa ao Poder Discricionário garantido ao Governador do Estado do Tocantins.

Sabe-se que a organização da Polícia Civil impõe a existência de Delegados Regionais, os quais serão escolhidos livremente entre os vários Delegados efetivos. O ato de nomeação para a Função Gratificada de Delegado Regional do Estado do Tocantins é um ato discricionário do Chefe do Poder Executivo, o qual poderá nomear e exonerar livremente, como já analisado.

No caso específico, o Governador no afã de reformular e colocar em prática seu projeto de governo excluiu algumas Delegacias Regionais, como lhe permite a lei e remanejou Delegados.

Ora, a escolha do Governador do Estado em exonerar alguns Delegados da Função Gratificada, sob o prisma da ciência jurídica, em razão do exposto, é plenamente possível, pois realizada em observância ao seu Poder Discricionário.

Já no campo da política, pode o ato ser contestado e gerar efeitos politicamente negativos do Gestor, mas jamais justificar a atuação do Poder Judiciário e a anulação de sua escolha, eis que blindada pela margem de discricionariedade garantida pelo legislador.

Quem discorde do leque de poderes outorgado ao Governador pelo Estatuto da Polícia Civil do Tocantins pode perfeitamente provocar o Poder Legislativo, buscando mudanças no conteúdo da referida lei. Mas até que isso aconteça, não compete ao Ministério Público, com todo respeito, limitar os poderes que a Constituição Federal e a legislação estadual expressamente concederam ao governo do estado.

O que se vê no caso é que o Ministério Público busca a substituição de uma discricionariedade por outra. Quer que a vontade do Poder Executivo venha a ser substituída pela vontade do Poder Judiciário, em uma flagrante ofensa ao sistema de separação de poderes.

Vale lembrar que o Governador do Estado é quem foi eleito para gerenciar o Estado e fazer as escolhas em nome do povo. Em outras palavras, foi ele quem passou por um sufrágio e apresentou seu plano de governo para aprovação da sociedade.

Dessa forma, é ele que sabe qual das opções postas à mesa pelo Legislador é que melhor atenderá o plano de governo homologado pela sociedade no sufrágio que o colocou no cargo e não um membro de outro Poder.

Nesse contexto, salvo melhor juízo, entendo juridicamente possível a decisão tomada pelo Governador em exonerar os Delegados da função gratificada anteriormente concedida, restando temeroso o seu controle por parte do Poder Judiciário, pois se trata de ato praticado mediante o Poder Discricionário, sob pena de ofensa à autonomia mínima constitucionalmente garantida ao Poder Executivo.

Caso não se proceda à revogação ou à suspensão da liminar concedida, corre-se o risco de evidente usurpação de poderes.

Anoto duas questões de suma importância.

A primeira: o ilustre Juízo de Direito da Fazenda Pública não atentou para o art. 2º da Lei nº 8.437/1992, segundo qual “No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.”.

A segunda: a liminar não traz nenhuma justificativa para a não observância/mitigação do referido dispositivo legal.

Ademais, é até discutível a legitimidade do Ministério Público para defender a manutenção de certo número de servidores em funções de confiança, já que atua como substituto processual sem qualquer fundamento para essa postura, porque não se sabe se os exonerados planejam retornar aos cargos ou funções de confiança.

Por oportuno, digo que há muito que ser decidido pelo Judiciário nesse momento importante do debate público no Tocantins. Que prevaleça sempre a separação dos poderes, o respeito ao Estado Democrático de Direito e à hierarquia das normas.

 

Por Paulo Roberto da Silva Professor de Prática Processo Penal e Advogado Criminalista.

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