Odebrecht Ambiental
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Cheiros de coco queimado, terra seca, suor e esgoto juntam-se para formar um retrato opaco da vida do lavrador José Vieira da Silva, de 72 anos, em Carrasco Bonito, interior do Tocantins. Ele e a esposa, dona Deusamar, contam com uma ligação de água no terreiro da casa de pau a pique para lavar roupa e fazer comida para dois. Moram na zona rural de uma cidade de 3,2 mil habitantes, mas no fim de mês a conta de água na porta de casa parece de cidade grande: chega a R$ 50.

Quem leva um naco da aposentadoria do seu José não é a prefeitura de Carrasco Bonito nem o governo do Tocantins: é a Odebrecht Ambiental, por meio de sua empresa Saneatins, concessionária de água de 47 cidades do estado (ou 80% da população). Apenas no ano passado, ela faturou mais de meio bilhão de reais nos contratos com consumidores e governo. Documentos da Lava-Jato trazem os primeiros indícios do preço pago para garantir a supremacia da água justamente onde ela parece fazer mais falta.

Uma planilha apreendida pela Polícia Federal mostra que contratos da Odebrecht com três fornecedoras — a DAG Construtora, SPE Sanear e Construtora Saga — serviam para viabilizar pagamentos de interesse do grupo baiano, como doações eleitorais e pagamentos em espécie. A concessionária de água da Odebrecht no Tocantins é citada. As três empresas são vinculadas a pagamentos da Saneatins ao lado de uma observação: “terrenos, pagamentos diversos e 450.000 (espécie)”.

O mesmo documento menciona outros contratos da Odebrecht com a DAG Construtora — empresa onde ele foi apreendido —, cujo objeto é locação de equipamentos. A PF suspeita se tratar de “contrato superfaturado a fim de possibilitar o repasse de valores a título de doação”. Em outro pagamento da Odebrecht para a DAG, o autor da planilha, ainda não identificado, registrou: “ver contrato, majorado para doação eleitoral e em R$”, seguido do comentário: “com certeza 440.000 + 670.000 sai daqui (espécie ou doação, acho que doação)”. O papel faz distinções para cada despesa: “valor faturado x medido x desviado”.

Por trás das três parceiras da Odebrecht contratadas pela Saneatins está uma pessoa: Demerval Gusmão, amigo e parceiro de negócios de Marcelo Odebrecht. A Lava-Jato já sabe que as empresas também eram porta de saída para ocultar atividades ilícitas da empreiteira, em atuação paralela ao setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, que ficou conhecido como o setor de propinas.

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A DAG Construtora foi usada pela empreiteira para bancar despesas de avião do ex-presidente Lula em 2013 e para comprar um prédio oferecido ao Instituto Lula em 2010. A empresa também pagou pelo menos R$ 1,6 milhão ao lobista Fernando Baiano, acusado de ser operador de propinas para dirigentes do PMDB, em 2009 e 2010.

A relação da DAG e da Saga com a Saneatins é forte a ponto de a concessionária de água citá-la como responsáveis por parte dos ativos da companhia na demonstração financeira encaminhada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em dezembro de 2014 eram R$ 30,5 milhões e, em dezembro de 2015, R$ 12,4 milhões — o que significa ter havido uso por parte da Saneatins de pelo menos R$ 18 milhões provenientes das duas empresas no ano passado.

A Odebrecht fechou um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), que ainda depende de homologação da Justiça, como informou O GLOBO nesta terça-feira, e tenta vender o controle da Saneatins a um fundo canadense. A Odebrecht e Demerval Gusmão informaram que não comentam a relação entre as empresas e a Saneatins.

O Ministério Público do Tocantins coleciona processos que investigam a relação da Saneatins com seus consumidores: são procedimentos para apurar aumento ilegal da tarifa de abastecimento, cobrança de tarifa mínima quando o serviço está suspenso e cobrança abusiva pela instalação de equipamentos que ligam a rede de esgoto às residências. Há suspeita de que o órgão responsável por regular a atuação da empresa no estado simplesmente não atua.

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— Existem termos de ajustamento de conduta assinados, mas ainda há muito a ser feito. A impressão é que a legislação criada para viabilizar a atuação da Saneatins prevê obrigações para consumidores e quase nada para a empresa — analisa a promotora Kátia Chaves Gallieta. A Odebrecht não comentou.

Prefeitos se rebelam contra as cobranças e tentam na Justiça reverter o poder dado pelo estado à empresa. Tocantinópolis conseguiu que a Justiça declarasse ilegal a tarifa de 80% da conta de água cobrada pela empresa pela prestação de serviço de esgoto. Sampaio municipalizou o serviço de água e esgoto. O tema foi alvo de debates acirrados na campanha municipal de Carrasco Bonito e Buriti.

Quando a Assembleia Legislativa do Tocantins tentou instaurar uma CPI para investigar a supremacia da Saneatins no ano passado, a empresa suspendeu todos os contratos com fornecedores do estado, como forma de pressão. A iniciativa não durou um mês e a CPI foi suspensa por motivo formal (não atendimento à proporção de composição partidária). Não há sinal de que voltará à carga. Agora, mudanças no bolso do seu Zé e da dona Deusamar parece só depender, mesmo, do avanço das investigações da Lava-Jato. (Com: O Globo)

 

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