Seja uma pessoa que não pronuncia expressões racistas

“A coisa tá…, serviço de…, inveja…”. Se você conhece o final dessas expressões é hora de debater sobre racismo. Tardiamente, a escravidão foi abolida no Brasil há 132 anos, e ainda hoje o racismo estrutural permeia a sociedade, nas instituições, nas relações interpessoais, nos espaços de poder, sendo muitas vezes pelo jeito de falar. Tendo em vista que a luta pela igualdade racial também acontece com mudança de hábitos preconceituosos, a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju) traz o significado de algumas expressões racistas para fazer refletir e assim moldar o vocabulário do cotidiano.

“Sempre ouvi muitas dessas expressões porque, infelizmente, o nosso próprio idioma foi consolidado sob influências do período escravocrata e expressões racistas foram mantidas junto com a segregação do povo negro no Brasil. As que ouço com muita frequência e que são manifestações racistas mascaradas de elogios são “negra bonita” e “cabelo exótico”. Mas também já tive o desprazer de ouvir expressões verbalizadas com o objetivo de agredir mesmo, como “cabelo ruim”, “cabelo de pixaim”, “negra suja”, “negra metida” até “empregadinha” já usaram de maneira pejorativa para subestimar minhas habilidades enquanto mulher negra”, conta a jornalista e ativista do Ajunta Preta – Coletivo Feminista de Mulheres Negras do Estado do Tocantins, Ana Franco, de 32 anos.

Para a ativista, não há como discutir sobre “antirracismo”, sem moldar o vocabulário, visto que a perpetuação de expressões racista através dos séculos diz muito sobre o preconceito racial praticado no Brasil. “O racismo se manifesta inicialmente através da verbalização e a partir daí toma caminhos que se encontram com uma série de outras violências que vão minando as condições de sobrevivência do nosso povo. Estas expressões representam a manutenção do racismo na nossa sociedade e garantem a perpetuação das violências contra o povo negro. O fato dessas expressões terem atravessado séculos resistindo de maneira tão naturalizada no vocabulário brasileiro diz muito do real interesse sobre uma sociedade sem discriminação racial”, explica.

A representante do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Cepir), vinculado a Seciju, Edilma Barros, afirma que é necessário conhecer as expressões preconceituosas ao povo negro e moldar o vocabulário para não reproduzir discursos racistas. “O racismo tem muitas expressões e palavras que se tornaram culturalmente usuais no Brasil e perpetuam o preconceito. Até a palavra “doméstica”, por exemplo, é bastante usada mesmo no nosso sistema jurídico, mas as domésticas no passado eram as escravas que já tinham sofrido tratamentos desumanos e sido “domesticadas”, como se fossem animais. Por isso é importante observar o que se fala e, consequentemente, moldar o modo de falar porque palavras e expressões do cotidiano não podem reproduzir discursos racistas”, enfatiza.

Expressões e seus significados

De acordo com o Geledés – Instituto da Mulher Negra, fundado pela sociedade civil em 1988, as expressões e palavras racistas são um indício de como a opressão e o preconceito estão incorporados na forma de viver da população. Algumas das expressões comumente usadas são:

“A coisa tá preta”

A expressão associa o “preto” a uma situação desconfortável, desagradável, difícil e até perigosa. Em vez disso, pode-se dizer “A coisa está difícil”.

“Serviço de preto”

É uma frase usada para remeter a um serviço mal feito, ou realizado de maneira errada, mas associa isso ao trabalho feito pelos negros, colocando a palavra “preto” como a representação de algo ruim. Pode-se trocar por “serviço mal feito”.

“Denegrir”

No dicionário Aurélio, denegrir significa “fazer ficar mais negro”, mas no cotidiano é usado como sinônimo de difamar, associando o “tornar-se negro” como algo ofensivo, “manchando” uma reputação antes “limpa”. Aqui pode trocar essa expressão facilmente usando somente “difamar”.

“Cabelo ruim”

Expressão normalmente usada para se referir pejorativamente ao cabelo afro, juntamente com outras como fios “rebeldes”, “cabelo duro”, “carapinha”, “mafuá”, “piaçava” e outros tantos derivados depreciam o cabelo afro. Conforme o Instituto Geledés, por vários séculos, essas frases causaram a negação do próprio corpo e a baixa autoestima entre as mulheres negras sem o cabelo liso. Pode-se usar apenas “seu cabelo é cacheado” ou “cabelo afro” e retirar o tom pejorativo da fala porque ter um cabelo afro não é sinônimo de cabelo ruim.

“Ter um pé na cozinha”

Essa é uma forma racista de falar de uma pessoa com origem negra, pois lembra o período da escravidão em que o único lugar permitido às mulheres negras era a cozinha da casa grande. Nesse caso, o melhor é retirar a expressão do vocabulário.

“Samba do crioulo doido”

Esse é o título do samba que satirizava o ensino de História do Brasil nas escolas do país nos tempos da ditadura, composto por Sérgio Porto (ele assinava com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta). No entanto, a expressão debochada é comumente usada para se remeter a uma confusão ou trapalhada, reafirmando um estereótipo e a discriminação aos negros.

“Não sou tuas negas”

Essa expressão coloca a mulher negra como “qualquer uma” ou “de todo mundo”, ou seja, a frase indica que a pessoa não é “alguém que faz de tudo”. Além de ser uma frase racista, também é muito machista e não deve ser usada.

“Meia tigela”

Usada para referir-se a algo sem valor ou medíocre, no entanto, a expressão surgiu há muito tempo, envolvendo o sofrimento dos negros que trabalhavam à força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar suas “metas”. A punição nesses casos era receber apenas metade da tigela de comida, além de serem apelidados de “meia tigela”. Em vez disso, pode-se dizer simplesmente “sem valor”.

“Mulata”

Na cultura espanhola, esse termo referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua e hoje é usada com a ideia de sedução, sensualidade ligada a mulher negra. Um derivado ainda mais pejorativo é “mulata tipo exportação”, que pulveriza a visão da mulher negra e seu corpo como uma mercadoria. Esse é mais um caso de expressão a ser retirada do cotidiano.

“Cor de pele”

Pense um pouco em qual é a “cor da pele”. Geralmente no conjunto de lápis é aquele tom meio rosado ou bege, no entanto, o tom não representa a pele de toda a população e não deve ser usado como definição da cor da pele. Outra expressão parecida é “da cor do pecado”, usada para referir-se a uma pessoa preta, mas perpetua a visão de que ser negro é algo pecaminoso e impuro.

“Doméstica”

Esse termo ainda hoje está nos lares brasileiros para se remeter a uma auxiliar de serviços gerais, mas traz uma carga racista histórica. Isso porque domésticas eram as mulheres negras escravizadas que trabalhavam dentro das casas das famílias brancas por serem consideradas “domesticadas”, ou seja, terem passado por “corretivos”, já que os negros eram tratados como animais rebeldes.

“Inveja branca”

Na contramão de outros termos, esse significa que a inveja branca é uma inveja “do bem”, que não faz mal. No entanto, isso associa a cor branca como algo bom, que não machuca, ao contrário do negro.

“Amanhã é dia de branco”

Também nesse uso da palavra “branco” como algo bom, essa expressão é utilizada para remeter a um dia de muito trabalho e compromissos, mas traz uma visão de que só pessoas brancas trabalham duro. Isso porque, na época da escravidão, o trabalho dos escravos não era visto como um trabalho de fato e isso continua perpetuado até hoje com expressões como essa. (Lauane dos Santos)

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