Kátia Abreu
Kátia Abreu

Há um ano, já ministra da Agricultura de Dilma, atirou um copo de vinho à cara do hoje ministro dos Negócios Estrangeiros José Serra

Em 1989, Collor de Mello chegou à presidência do Brasil graças a uma campanha eleitoral em que, além de se assumir como alternativa mais liberal ao segundo classificado Lula da Silva, então ainda cheio de tiques de sindicalista, se intitulou “o caçador de marajás”, isto é, o implacável inimigo da oligarquia de funcionários públicos brasileiros com regalias de príncipes indianos.

O fim da história é conhecido: não só Collor, então com 40 anos, não caçou nenhum marajá, como permitiu que eles se reproduzissem como ratos durante o seu consulado.

Segundo levantamento da revista Veja, hoje os tais marajás são uma população de cinco mil funcionários públicos ativos. Ganham tanto, mas tanto, acima do teto legal de 37,5 mil reais (equivalente a cerca de 10,7 mil euros) que a diferença entre o que deviam auferir e o que auferem de facto daria para pagar 400 mil salários mínimos.

No total de 30 milhões de reais mensais (perto de 8,5 milhões de euros) de prejuízo aos cofres públicos que provocam, o campeão dos marajás é o juiz federal Carlos Teixeira, que em vez dos tais 37,5 mil reais da lei, ganha incompreensíveis 198 mil (57 mil euros) por mês. Dois em cada três casos de funcionários públicos com supersalários estão, aliás, no poder judicial.

Com o cinto da economia a apertar, a Lava-Jato a pairar ameaçadora nos céus de Brasília e o povo cada vez mais vigilante nas ruas e nas redes sociais, o Senado Federal brasileiro decidiu fazer cumprir, com quase 30 anos de atraso em relação à promessa de Collor, aquele teto legal.

É aqui que entra em cena Kátia Abreu, a senadora do PMDB que enquanto relatora da comissão especial de análise aos supersalários, enfiou a mão no vespeiro de vantagens dos marajás. Em plenário do Senado, contou aos colegas o que descobriu: “Há verbas de representação, parcelas de equivalência ou isonomia, abonos, prémios, adicionais, anuénio, biénio, triénio, quinquénio, sexta parte, cascatinha, 25%, trientenário, quintos, décimos…”, disse, sem parar para respirar, para enfatizar a farra de privilégios. Em entrevista após a sessão, concluiu: “Os beneficiários dos supersalários são tão corruptos como os outros.”

Kátia Abreu é uma das mais curiosas personagens de Brasília: psicóloga de formação, enviuvou cedo e herdou uma megafazenda do marido; em poucos anos, tornou-se uma agropecuarista de sucesso; chegou a líder da Bancada do Boi, a união suprapartidária que defende o lobby dos grandes proprietários agrícolas no Congresso; foi, por causa disso, eleita inimiga pública número um dos ambientalistas e alcunhada de Miss Desmatamento; há um ano, já ministra da Agricultura de Dilma Rousseff no contexto da aliança entre o seu partido, o PMDB, e o da então presidente, o PT, atirou um copo de vinho à cara do hoje ministro dos Negócios Estrangeiros José Serra, do PSDB, porque ele a chamou de “namoradeira” numa festa com meia Brasília por testemunha; e, mesmo militante do partido de Michel Temer, lutou com unhas e dentes contra o impeachment de Dilma, nos seus antípodas políticos, com quem desenvolveu uma tão profunda quanto improvável amizade.

Pois agora, Kátia Abreu, ao denunciar os contornos dos escândalos de meia dúzia de funcionários públicos e iniciar uma cruzada contra eles, assumiu-se como a legítima caçadora de marajás. Ao contrário de Collor, o autor da expressão, que não os podendo ou não os querendo vencer, se uniu a eles e se tornou um dos mais notáveis da espécie, atafulhado em carros, relógios, obras de arte e outros luxos despudorados entretanto apreendidos pela polícia na Operação Politheia, desdobramento da Lava-Jato.

Hoje senador pelo Alagoas, o antigo presidente da República estava na sala do Senado Federal a ouvir, calado como um rato, o discurso de Kátia Abreu. (Por João Almeida Moreira – Em São Paulo)

 

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